Grupo de falsas-orcas é flagrado no litoral paulista

Falsas-orcas são flagradas no litoral paulista Julio Cardoso Julio Cardoso é um amante do mar e um dos criadores do Projeto Baleia à Vista que tem como missão monitorar, registrar e levantar informações sobre as espécies de baleias e outros cetáceos que frequentam a região de São Sebastião e Arquipélago de Ilhabela. Há vinte e um anos ele navega pelo litoral norte de São Paulo para observar o comportamento de baleias e golfinhos. É um “cientista-cidadão” muito conhecido dos pesquisadores de animais marinhos. Apesar de toda experiência no mar e na observação , dezembro de 2025 reservou a Julio Cardoso uma emoção diferente da habitual. “Saí com informação do nosso colega de observação Jurandir Carlos de Paulo do Ponto Fixo 2 em Ilhabela. Ele estava avistando três baleias-de-Bryde (Balaenoptera brydei) pelo sul da Ilha. Saí rodando e fui dando a volta do sul para o norte de Ilhabela para ver se as encontrava. Não vimos as baleias, mas de repente já há umas duas milhas (3,5 a 4 km) para fora de uma região chamada Areado, perto da praia do Bonete, começamos a ver uns bichos grandes saltando ao longe e até no primeiro momento pensamos que poderiam ser orcas (Orcinos orca)”, conta Julio Cardoso. “Quando nos aproximamos vimos que eram as falsas-orcas (Pseudorcas crassidens), um bicho incrível, muito raro e pouco conhecido por aqui. Mantivemos nossa rota em baixíssima velocidade, menos de 5 nós (9 km por hora), e elas se aproximaram e vieram saltando e se aproximaram do barco”, completa. O grupo mais próximo de falsas-orcas avistado era composto por cerca de 30 indivíduos. No entanto, havia animais mais distantes o que dificultou a contabilidade geral do grupo todo. Avistamento contribui para a formação de uma base de dados sobre a presença de falsas-orcas no litoral norte paulista Julio Cardoso O que chamou a atenção dos observadores foi a presença também de golfinhos-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) que em outras situações já tinham sido vistos acompanhando as pseudorcas e interagindo com elas. Comportamento observado entre estes dois gêneros distintos, mas da mesma família a Delphinidae. Apesar de raro, o avistamento de falsas-orcas não é um caso isolado na região. Segundo o Projeto Baleia à Vista, já são sete registros de Pseudorcas crassidens no litoral norte paulista, considerando observações próprias e de parceiros, desde 2021. Os registros ocorreram em março de 2021, janeiro de 2022, junho de 2023, dezembro de 2023, janeiro de 2024 e dezembro de 2025. Com isso, este é o sétimo ano consecutivo em que a espécie é registrada na região, um dado considerado significativo para um cetáceo de hábito predominantemente oceânico. As duas espécies de acordo com os observadores de Ilhabela caçam e nadam juntas. Os tursiops e as pseudorcas são conhecidos por interagirem bastante e de forma positiva. Inclusive já houve registro de cruzamento deles com nascimento de indivíduos híbridos. A bióloga marinha Daniela Abras, explica que as falsas-orcas podem medir até seis metros de comprimento, pesar mais de duas toneladas e atingir velocidade de trinta quilômetros por hora o que é considerado bastante dentro da água. O grupo observado era formado por cerca de 30 indivíduos, que nadavam e saltavam de forma sincronizada Julio Cardoso “O nome falsa-orca surgiu pela semelhança dos crânios dessa espécie e o das orcas verdadeiras. E não por uma similaridade geral pela morfologia corporal. Pseudo em grego significa falso. Quando a espécie foi descrita pela primeira vez em 1846, a identificação baseou-se num crânio fóssil que se acreditava pertencer à uma orca. Só em 1862 com registro dos primeiros exemplares vivos ela foi corretamente classificada em um novo gênero, o pseudorca , junto com as orcas estão agrupadas na familia Delphinidae , ou seja, são golfinhos e dos maiores deles”, explica Daniela Abras. As falsas-orcas tem coloração preta à cinza escuro, ligeiramente mais claro na parte inferior do corpo. A espécie alimenta-se de peixes grandes como dourados, atuns, cefalópodes como lulas e até golfinhos menores. Elas têm capacidade de mergulhar muito fundo até novecentos metros. E assim como as orcas verdadeiras, as falsas-orcas tem estratégia de caça, com formação de grupos com até cinquenta indivíduos. Julio Cardoso, que viu de perto o grupo de falsas-orcas em Ilhabela, diz que não é comum avistar a espécie próxima da costa. As falsas-orcas tem coloração preta à cinza escuro Julio Cardoso “As pseudorcas são uma espécie oceânica que raramente se aproxima da costa e esta população do sudeste brasileiro não é conhecida. Não há dados sobre elas e estamos procurando juntar tudo que registramos para começar a organizar melhor as informaçoes sobre elas. Com o registro fotográfico, de vídeo e sonoro feitos, nós vamos formando uma base de dados sobre a presença dessa espécie na região e a partir daí tornar esta informacao publica contribuindo com a ciência sobre esta espécie rara e publicar a respeito”, explica Julio Cardoso. O ano de 2025 marcou um recorde na observação de baleias em Ilhabela, com cerca de 800 registros de jubartes (Megaptera novaeangliae) feitos por observadores. Parte desse número expressivo envolve jubartes juvenis, possivelmente recém-desmamadas, que decidiram não realizar a migração. Segundo os observadores, a permanência desses animais no litoral norte paulista, onde estão desde julho, está associada à grande oferta de alimento neste ano, um pequeno camarão semelhante ao krill, que apareceu em abundância na região. Com essa disponibilidade, a expectativa é que essas jubartes não migrem e permaneçam na área até a próxima temporada. Inclusive, o Projeto Baleia à Vista, junto com o Instituto Baleia Jubarte, fez um alerta aos comandantes de navios de cruzeiro para que naveguem com muita atenção e baixa velocidade nas áreas onde estas jubartes seguem circulando, para evitar choques de navios com as baleias. Mesmo depois de décadas avistando baleias e golfinhos, a emoção ao vê-los continua a mesma para Julio Cardoso. “Claro que a emoção é muito mais forte quando se avista uma espécie mais rara e fantástica como as pseudorcas. É comparavel a um birdwatcher (observador de aves) avistar um “lifer” (primeiro avistamento de uma espécie)”, finaliza Julio. Não há uma estimativa sobre a população mundial de falsas-orcas, apesar da espécie ter ampla distribuição pelos oceanos do planeta. As principais ameaças da espécies são as redes de pesca e a poluição dos oceanos. 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